Uma mulher que fala de amor é suspeita.
bell hooks
oi, tu lembras de mim?
hoje, depois de quase dois meses, estou novamente com o google docs aberto escrevendo essa newsletter. nos últimos tempos entrei numa pira de que eu não conseguia mais escrever, nada, nunca mais. a cidade flerta havia morrido.
eu tinha muita ideia, mas qualquer atividade banal como varrer a casa, ver um filme ou dormir (principalmente dormir) me parecia mais interessante do que escrever. eu até senti falta, mas não o suficiente pra me sentar, me concentrar e pensar em encaixar palavras em um texto. não faltam desculpas - óbvio - primeiro a pausa era uma espécie de férias, depois o culpado foi o final do semestre, em seguida a mudança de casa, a mudança de rotina e, claro, a falta de tempo. no final, tudo isso é verdade, mas sempre escrevi por causa de uma vontade insaciável de escrever, e essa vontade desapareceu - ou estava dormindo assim como eu.
dois meses atrás saí de casa pela primeira vez, na verdade fui meio que mandada embora pela natureza. eu vivi numa casinha do São Geraldo durante os meus 21 anos, e sempre imaginei a minha futura vida deitada na mesma cama, olhando pro mesmo teto, no mesmo quarto. o futuro sempre começava fora daquela casa, e agora que estou de fato fora percebi, o meu futuro começou. um dia desses tomando banho, lavando o pé e cheia de sabão no corpo, percebi que talvez tenha virado adulta.
passada a primeira fase de euforia, de sair todos os dias sem se preocupar com reclamação de mãe, almoçar miojo numa segunda e beber cerveja numa terça, tu percebes que a vida é meio chata. noventa por cento do meu tempo eu to preocupada com algo que tenho que fazer ou algo que eu tenho que pagar.
eu tenho que lavar a louça, ah e começar o projeto de tcc, eu já mandei email pra professora? não posso me esquecer de comprar sabão em pó amanhã, será que sobra um dinheiro pra comer um docinho, eu queria tanto um docinho. será que errei em mudar de estágio, queria ganhar mais dinheiro. será que eu sou uma fodida por ter nome sujo aos 21 anos? ou é culpa do capitalismo? eu acho que não varri a casa hoje.
talvez nessa monotonia da vida adulta, a paixão tem um fator importante. quando o véu da paixão se rompe, o que sobra é uma vida nem tão satisfatória. se não temos ninguém pra pensar antes de dormir, o que resta é pensar naquela conta pra pagar, no emprego chato que tu tem que ir amanhã, na última discussão familiar ou naquele problema de saúde.
talvez o mais lindo presente que um amor pode nos dar é essa desconexão com a realidade cruel. mesmo que mais cínico ao passar dos anos, o amor nos leva para outro espaço-tempo, para o lugar da fantasia que aos poucos a gente vai perdendo quando cresce.
sommelier de aplicativo de relacionamento
fiquei um tempo sem escrever, mas durante esse tempo eu trabalhei (dei matches e tive dates). sem aula e sem trabalho, o diabo sussurrou no meu ouvido ~experimenta todos aplicativos de relacionamento~ e então segue aqui o review dos três apps mais famosos dos solteiros:
1- tinder
vamos começar pelo clássico, o pai dos aplicativos, quem andou para que os outros pudessem correr. a cada dia a frase "vovó e vovô se conheceram no tinder" está mais próxima de ser dita por um homem de 35 anos chamado Enzo - isso se os enzos e valentinas transarem e tiverem filhos, a continuidade humana está na mão da geração z.
entrar no tinder em 2024 é meio vergonhoso, toda que vez que desisto um pouco da vida e entro no app surge no meu inconsciente um casal rindo de mim e falando HAHAHAH COITADA AINDA TÁ SOLTEIRA E PROCURANDO NO TINDER HAHAHAHA TOMA AÍ UM MONTE DE ESTRANHO!!!111!
até porque ficar online no tinder não é um erro silencioso. abrir o app é tipo ir no mesmo rolê toda sexta-feira e ver os mesmos seis pintas de sempre. tu até pode criticar eles, chamar de figurinhas do tinder, mas a questão é: tu só sabe disso porque tu também está sempre online. "nossa faz anos que esse homem tá disponível no tinder"... talvez ele esteja falando o mesmo de ti!
o que salva mesmo no aplicativo são os recém solteiros, a pessoa que terminou uma relação de 5 anos e a primeira coisa que faz é criar um tinder. porém esses perfis são raros (a quantidade de término por mês não anda alta - infelizmente).
vantagem: gosto de usar o tinder para ter a confirmação de um suposto flerte. sabe aquele conhecido que curte teu story, mas que nunca rolou abertamente um flerte? então, essa pessoa é perfeita pra tu encontrar no tinder e ver se vai rolar o match - spoiler 80% das vezes rola match e o papo morre. mas pelo menos tu tem a confirmação que aquela pessoa te acha atraente e cria a esperança de quem sabe um dia vocês fiquem.
o tinder é meu arroz e feijão. a gente sempre sabe o que esperar e nunca nos decepciona.
quer dizer, as vezes decepciona sim… mas daí a gente ganha milhares de curtidas no twitter com somente um print:
2- bumble
o primeiro dia que eu usei o bumble foi mágico, eu tinha descoberto o paraíso dos esquerdomachos - que era praticamente a minha ideia de paraíso na época. isso até conhecer a verdade, eu estava no inferno.
é aquela coisa o primeiro homem feminista de esquerda que a gente conhece na vida a gente até enxerga com bons olhos. uau ele lê! ele vê filme! ele faz terapia! ele tem a tatuagem da américa do sul invertida na costela! uau que diferente!
daí tu conhece outro igual, e outro, e outro e outro e quando vê é CEO da fábrica de esquerdomachos de porto alegre.
top bios mais famosas
decolonialista 🌹
não-mono <3
terapia em dia ( e sua extensão depois de um certo tweet viralizar: terapia em dia até o tony soprano tem! hahaha )
vantagem: namorar ❤️
desvantagem: comigo🤪
serial flerter (esse até que dei uma risada a primeira vez que li)
esse eu só li uma vez, mas me marcou profundamente: nunca me silenciarei em frente a um fascista (ok… que bom.. i guess? precisava me dizer isso aqui?)
3- grindr
seria desinteressante eu falar aqui sobre aplicativos de relacionamentos e simplesmente ignorar um dos mais famosos, o grindr. então pelo conteúdo, pela news e pela experiência antropológica eu - mulher cis bissexual - baixei e criei uma conta no aplicativo mais gay que existe.
sem foto, sem nome, sem informações - exceto mulher, 21 anos - me senti um cordeirinho no meio de centenas de lobos ferozes por algo que eu não poderia oferecer.
pra quem não sabe o layout do aplicativo é bem diferente dos outros apps de relacionamento. em vez de aparecer um perfil de cada vez, os perfis da região aparecem em forma de galeria, todos juntos e tu não precisa necessariamente dar um match para iniciar uma conversa.
no começo fiquei meio tristinha de ninguém ter mostrado interesse em mim, sim vocês são gays mas poxa eu sou tão bonitinha…
até que um cara me mandou mensagem, mas logo depois do primeiro "oie" ele me chamou de Gato e daí eu percebi que ele não tinha entendido direito a única informação que eu tinha disponível no meu perfil - Mulher.
sentia que eu tava com um facão, adentrando pela primeira vez uma mata fechada, a mata intocada dos gays! já estava imaginando as manchetes dos jornais "mulher loira x gays: mais uma saga dessa guerra".
as legendas como “passivo sem local”, “ativo com local”,"🍆”, “bem dotado”, tudo tão criativo, esdrúxulo e enigmático… as fotos mostrando apenas partes específicas do corpo, os filtros de busca com daddy, twink e urso! tudo me pareceu tão fácil, mais simples que o mundo do tinder ou do bumble.
me assustei? sim! mas também achei bonita a sexualidade tão explícita do aplicativo, logo pensei que seria ótimo um grindr só para mulheres, mas daí lembrei, ah sou mulher. não tem como ter isso pra gente kkkkk
existe uma linha tênue entre ser meio atiradinha, sair com vários caras e pensar "ai como eu sou a samantha jones" para ser vista pela sociedade como a nova andressa urach de porto alegre. e toda mulher, por mais moderna e legalzona que pague ser, no fundo, bem no fundinho do inconsciente tem medo de atravessar essa faixa.
no final das contas, esses aplicativos são iguais aos jogos do tigrinho. é viciante e te faz perder tempo. todo mundo sabe de uma história de um primo de um amigo que ganhou muito dinheiro encontrou um lindo amor no app, mas na maior parte do tempo é cilada.
dicas da bibi!
-"No Emaranhado Da Rede : Gênero, Sexualidade E Mídia - Desafios Teóricos e Metodológicos do Presente": encontrei esse livro por acaso na biblioteca da faculdade enquanto procurava referências pro meu projeto de tcc e achei fantástico. o capítulo que me prendeu foi escrito pela antropóloga Larissa Pelúcio e fala sobre o amor em tempos de aplicativos. o mais interessante é o método que Pelúcio usa para escrever sobre o tema, ela simplesmente cria um perfil no tinder para estudar e entrevistar os usuários. ela LITERALMENTE usa o tinder como estudo antropológico. inclusive expõe no texto o hate que recebeu de certos usuários que ficaram decepcionados ao descobrir que o perfil não era "de verdade"... pra quem se identifica com o tema vale a leitura:)
-vício do momento: mais uma vez aqui falando sobre aplicativo, mas o aleatório do spotify me apresentou "Forget About" da atriz e cantora folk alemã Sibylle Baier. escutei pela primeira vez de pé num 343 lotado e mesmo assim me senti maravilhada e encantada pela sonoridade dessa música.
ótima edição!
BIBI Esse texto ta bom demais, vc é muito sucesso isso é um flerte apenas intelectual SIGA em frente seu tcc é que de que mesmo? Beijos e sucesso na vida adulta (risos)